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Tenho um gay em minha família. E agora?

Esequias Caetano – CRP 04/35023
Especialista em Terapia Analítico-Comportamental
ecaetano@institutocrescer.com
Esta é uma das primeiras perguntas feitas por muitos pais, mães, irmãos, tios, tias, avôs, avós, etc., etc… ao descobrirem que “alguém tão próximo é gay”. Ela reflete um pensamento milenar expresso em diversas referências da religiosidade cristã ortodoxa, desde a antiguidade associa a homossexualidade ao pecado e à desobediência à Deus. 

Até 1973 essa forma de pensar influenciou uma das mais importantes organizações de saúde do planeta: a APA (Associação Psicológica Americana). Embora ela não usasse a palavra “pecado” para falar de homossexualidade, a tratava como um transtorno psicológico que deveria receber tratamento profissional – reproduzindo, desta forma, a associação com o errado, antinatural e problemático expressa na Bíblia. A OMS (Organização Mundial da Saúde) reviu sua posição apenas em 1990, quando retirou a homossexualidade da lista de distúrbios mentais. 
Diversos movimentos políticos e religiosos contrários ao reconhecimento dos direitos dos gays e lésbicas argumentam que a retirada da homossexualidade da lista de transtornos mentais ocorreu pura e simplesmente por causa da pressão exercida por grupos pró-LGBT sobre a APA e a OMS. Este é, porém, um argumento falso. De acordo com um documento da própria APA, publicado no ano 2000, a tentativa de patologizar (abordar como doença) a homossexualidade não encontra qualquer sustentação em estudos psiquiátricos ou pesquisas científicas rigorosas, mas apenas em grupos religiosos e políticos contrários ao reconhecimento da cidadania destas pessoas. Em outras palavras, a pressão vem de outro lado – e ainda hoje é muito forte!
Um exemplo recente desta pressão pela patologização da homossexualidade foi a polêmica, em 2013, do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) nº 234/2011, mais conhecido como “cura gay”. Apresentado pelos deputados Roberto Lucena (pastor da igreja O Brasil para Cristo) e João Campos (pastor da igreja Assembleia de Deus), o PDC propunha a derrubada da resolução 001/099 do Conselho Federal de Psicologia, a qual determinava que os psicólogos:
  • Não devem exercer ações que favoreçam a patologização do comportamento ou prática homoerótica;
  • Não devem adotar ação que obrigue homossexuais a realizarem tratamentos não solicitados por eles próprios; 
  • Não devem colaborar com eventos e serviços que proponham a “cura” da homossexualidade;
  • Não devem se pronunciar de forma a reforçar preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais, como por exemplo, difundindo a ideia de que são portadores de qualquer desordem psíquica simplesmente por serem homossexuais.
O principal argumento usado pelos pastores-deputados era de que o texto do conselho proibia os profissionais da área de atender homossexuais, mas como você pode ler, sequer há alguma menção a isso. O que se proíbe é contribuir com a difusão de preconceito ou forçar o indivíduo a algum tratamento não solicitado (ênfase em “não solicitado”!). E isso parece bastante claro. Ainda assim, o CFP (Conselho Federal de Psicologia) precisou publicar uma detalhada nota de esclarecimento sobre o tema, respondendo este e outros argumentos, disponível aqui

A resolução do CRP é importante porque no Brasil vinha crescendo um movimento que propunha “terapia de reversão” para homossexuais. Os principais nomes deste movimento eram as psicólogas Rozângela Justino e Marisa Lobo, ambas evangélicas, com o apoio do pastor Silas Malafaia, graduado em Psicologia e considerado um dos principais líderes religiosos do país. Várias clínicas vinham se especializando na oferta deste tipo de serviço, como demonstrou uma matéria do Jornal O Globo, de julho de 2013. A maioria delas tinha orientação religiosa e, na fachada, apresentavam-se como clínicas de Tratamento para Dependência Química. 

Apesar destas clínicas prometerem – garantirem! – a reversão, não há qualquer registro de que isso já tenha efetivamente ocorrido em algum momento da história. De acordo com a APA (Associação Psicológica Americana, 2000) até existem alguns relatos casuais de que algum homossexual deixou de ficar com pessoas do mesmo sexo, mas estes relatos são contrabalanceados por informações sobre sérios danos à saúde gerados pelas tentativas de reversão. Em 2009 a Associação publicou a mais completa revisão sobre o tema já realizada, com a seguinte conclusão: 

“Os [homossexuais] que participaram deste corpo de pesquisas
continuaram a experimentar atração pelo mesmo sexo seguindo
os esforços para a mudança de orientação sexual (SOCE) e não
relataram mudança significativa frente a outras atrações sexuais
que pudessem ser empiricamente validadas, embora alguns
tenham mostrado excitação fisiológica diminuída para todos os
estímulos sexuais” (APA, 2009)

Trocando em miúdos: 
1) As tentativas de reversão provocaram neles “esforços para mudança de orientação sexual”, sem, porém, que passassem a se interessar por pessoas do sexo oposto; 
2) Ainda que se esforçassem para mudar, os participantes das terapias de reversão continuaram a experimentar atração por pessoas do mesmo sexo;
3) Alguns sofreram diminuição da excitação sexual fisiológica frente a qualquer tipo de estimulação sexual. 
O que é muito comum e certamente contribui para o fortalecimento da ideia de que existem ex-gays, e isso inclusive é ilustrado na nota do CFP, é que homossexuais deixem de falar sobre o que sentem, embora continuem se interessando por – ou até relacionando em segredo com – pessoas do mesmo sexo. Outros, mais sensíveis às cobranças familiares, chegam a passar a vida ao lado de alguém que não amam ou não nutrem qualquer tipo de desejo ou atração. 
Saber disso, no entanto, não responde a pergunta inicial do artigo: “Tenho um gay em minha família. E agora?”. 
De acordo com o site UOL Comportamento e com o que observo na clínica, uma das reações mais comuns dos familiares ao receberem a noticia é negá-la. Tratam o assunto como uma “besteira, boato bobo”, evitam qualquer tema relacionado e ignoram qualquer evidência que possa confirmar a homossexualidade da pessoa. Alguns chegam a procurar pretendentes do sexo oposto para um “casamento arranjado”. Outas famílias reagem de forma agressiva. Criticam abertamente, usam de agressão física e moral para tentar coagir o outro a mudar sua orientação sexual. O que tanto uma quanto outra postura tem em comum é que o único efeito delas é provocar sofrimento – tanto para a família, quanto para o gay ou lésbica. 
Uma pesquisa publicada na revista Pediatrics ouviu 224 homossexuais e bissexuais com idades entre 21 e 25 anos, entre os quais a metade tinha sofrido rejeição por parte da família. Os resultados indicaram que, quando comparados aos que não sofreram nenhum tipo de rejeição, os que sofreram apresentam: 
  •  8,4 mais chances de tentar suicídio;
  • 5,9 mais chances de ter depressão;
  • 3,4 mais chances de se envolver com drogas ilícitas;
  • 3,4 mais chances de se envolver em relações sexuais sem proteção e contrair alguma Doença Sexualmente Transmissível (DST). 
Dados alarmantes, porém, ignorados por quem não aceita a homossexualidade de uma pessoa na família. Chega a ser irônico. Quando um pai, mãe, irmão, primo ou tio preconceituoso olha para o outro sofrendo uma depressão grave, tratando uma DST, se recuperando de uma tentativa de suicídio – ou morto! – ou se envolvendo com drogas, o mais provável é que culpe a homossexualidade e simplesmente ignore o impacto de sua rejeição sobre o ente querido. 
Diante destas informações, o que resta a alguém que descobriu que não adianta tentar reverter a homossexualidade do outro, ignorar o assunto ou exigir que ele se relacione com pessoas do sexo oposto? Resta apenas aceitar. Veja bem: eu disse aceitar e não necessariamente gostar. Como adulto, provavelmente você sabe que a vida não te permite ter apenas o que deseja. Se você consegue lidar com situações em que não consegue o que quer em outros campos da vida, porque não fazer o mesmo em relação à sexualidade de seu ente querido? Lutar contra ela terá como único efeito provocar sofrimento e ampliar, de forma significativa, os riscos de realmente surgir um problema sério para lidar – como o suicídio, contaminação por DST ou outro dos já citados. Se aceitar, porém, estará criando a oportunidade de ter uma pessoa feliz perto de você, com quem pode compartilhar momentos de alegria, prazer, descontração e paz. 
O que você escolhe? 
*Agradeço a leitura e dicas de Flávio Barbin e Aline Couto!
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