Solidão – um problema maior do que parece

Gostei da música Trem Bala, de Ana Vilela, desde a primeira vez que a ouvi. Sua letra fala sobre alguns dos dilemas mais íntimos do ser humano, como a busca pelo sucesso, a esperança, a capacidade de viver uma vida com significado e, claro, a capacidade de se conectar às outras pessoas. Em suas palavras:

Não é sobre ter

Todas as pessoas do mundo pra si

É sobre saber que em algum lugar

Alguém zela por ti

Trocando em miúdos, Ana nos diz que a questão central não é com quantas pessoas se convive, mas sim, o quanto a gente se sente amado, cuidado, íntimo de alguém. E ela continua:

[…é] Sobre ser abrigo

E também ter morada em outros corações

De fato, há quem não seja abrigo e não tenha morada em outros corações. Algumas destas pessoas de fato interagem pouco, vivem sozinhas; mas muitas outras vivem cercadas de gente no trabalho, em casa ou nas festas e ainda assim não se sentem conectadas a ninguém. Elas estão insatisfeitas com os próprios vínculos ou se percebem isoladas socialmente. Elas sofrem de solidão.

De acordo com uma pesquisa [1] publicada pelo Office for National Statistics, 2,4 milhões de adultos britânicos sofrem com a solidão. Isso é tão grave que o governo do Reino Unido criou um ministério especialmente para combater o problema [1]. Alguns outros países também tem promovido ações com este objetivo, como a Dinamarca e os Estados Unidos [2]. No Brasil não existem dados sobre o assunto, mas é bastante provável que muitos brasileiros também se sintam sozinhos e estejam submetidos a todos os riscos que isso representa.

Sim! É isso mesmo que você leu: a experiência de solidão é perigosa e não apenas para a saúde emocional. Ela ataca diretamente nossa saúde física, conforme demonstra um estudo [3] publicado na revista The Royal Society, em 2015. Os autores encontraram evidências de que a percepção de isolamento social aumenta índices de depressão, piora a qualidade do sono, prejudica a capacidade de execução de tarefas, acelera o declínio cognitivo, prejudica o sistema imunológico, é desfavorável à função cardiovascular, eleva a expressão de genes que favorecem inflamações e aumenta a mortalidade precoce. Outra pesquisa [4] publicada pelo periódico American Journal of Epidemiology no ano de 2018, analisou os dados de 580 mil adultos e concluiu que a solidão aumenta o risco de morte prematura por qualquer causa – inclusive doenças cardíacas e câncer, por exemplo.

A esta altura você deve estar se perguntando por que motivos a solidão é tão perigosa. A American Psychological Association [2] apresenta algumas hipóteses interessantes sobre isso. A primeira vem de um estudo da epidemiologista Nicole Valtorta, da Newcastle University: sem o encorajamento da família e amigos é mais fácil nos envolvermos em hábitos de vida pouco saudáveis, além da própria solidão elevar os níveis de estresse, prejudicar o sono, aumentar sintomas de depressão e de ansiedade. A segunda vem de uma pesquisa conduzida pelo professor Steven Cole, da University of California. Ele e seus colegas descobriram que pessoas solitárias tem uma expressão aumentada de genes envolvidos em processos de inflamação, e ao mesmo tempo, uma expressão reduzida dos genes envolvidos em respostas antivirais.

Como lidar com a solidão?

Diante desses dados, não faz nenhum sentido imaginar que a experiência de solidão seja coisa pequena, banal ou sem importância. Se você ou alguém que você conhece se percebe pouco satisfeito com a própria conexão social ou se vê como alguém isolado, não fique de braços cruzados. A solidão é uma condição que merece cuidados, tanto pelo sofrimento que ela própria produz, quanto pelos problemas a que está associada.

American Psychological Association [2] apresenta algumas diretrizes importantes sobre como lidar com o problema. A primeira recomendação é terapia: pessoas diferentes podem se sentir sozinhas por motivos diferentes, portanto, medidas efetivas para resolver o problema exigem uma avaliação cuidadosa de quais são as razões que levam cada um a se sentir assim.

O tratamento, em geral, pode envolver aprender a lidar com as preocupações com a própria autoestima ou com o que os outros podem estar pensando; desenvolver habilidades efetivas de interação social, como estratégias para iniciar, manter e terminar conversações; melhorar as redes de suporte social, aprender a criar oportunidades proveitosas de interação social, entre outras coisas. A intervenção específica vai depender da razão específica pela qual a pessoa se sente sozinha.

Outra recomendação da associação, indicada especialmente para adultos mais velhos e para idosos, é criar envolvimento com atividades comunitárias e de grupo como corais, grupos de leitura, grupos religiosos, entre outros. Não é necessário que sejam grupos formais promovidos por instituições. Podem ser grupos de vizinhos, amigos ou parentes que desenvolvam atividades em conjunto e forneçam apoio mútuo para situações corriqueiras do dia a dia, como para cuidar das crianças, emprestar alguma coisa de casa, entre outras coisas.

O fato é que existe saída. É possível desenvolver vínculos satisfatórios com outras pessoas a ponto de se sentir verdadeiramente amado e valorizado. Isso melhora não apenas a qualidade de vida, mas também a saúde física e emocional de maneira ampla.

Material Consultado

[1] Smith, J. (2018). Loneliness on its way to becoming britain’s most lethal condition. The Independent. Recuperado em 29 de maio 2019, de https://www.independent.co.uk/life-style/health-and-families/loneliness-lethal-condition-therapy-psychology-cox-commission-ons-health-a8311781.html

[2] Novotney, A. (2019). Social Isolation: it could kill you. American Psychological Association. Vol 50, N 5. P. 32. Recuperado em 29 de maio de 2019, de https://www.apa.org/monitor/2019/05/ce-corner-isolation?fbclid=IwAR2a8O0QDnqpsKyG3AfgXQpQXIVXhFgZ4pbb5rYxgvbtZ45-mrHfqgxuIeU

[3] Hawkley, L. C. and Capitanio, J. P. Perceived social isolation, evolutionary fitness and health outcomes: a lifespan approach. The Royal Society Publishing, 360. Recuperado em 29 de maio de 2019, de https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rstb.2014.0114

[4] Alcaraz, L. K., Eddens, K. S., Blase, J. L., Diver, W. R., Patel, A. V., Teras, L. R., et al. (2016). Social Isolation and Mortality in US Black and White Men and Women, American Journal of Epidemiology, V. 188 (1). Pages 102–109,  recuperado de https://doi.org/10.1093/aje/kwy231

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