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Prevenção ao abuso de drogas: o que os pais podem fazer?

por Lucas André de Paula
Especialista em Dependência Química
lucas@institutocrescer.com

Novamente o assunto da cracolândia de surge nas manchetes dos grandes jornais e veículos de comunicação. Em um local onde o crescimento dos usuários de drogas e o tráfico atingiram proporções faraônicas, centenas de pessoas fazem uso de crack e outras substâncias psicoativas em sua rotina diária. Em janeiro deste ano, o prefeito de São Paulo, Haddad, propôs uma solução inovadora para o problema: oferecer emprego, moradia e tratamento ambulatorial para os habitantes da cracolândia. Veja no vídeo abaixo:

Baseando-se na proposta conhecida como “Redução de Danos”, o trabalho visa cuidar das múltiplas necessidades daquelas pessoas, resgatando sua dignidade e o respeito à vida. Em oposição à última grande intervenção, realizada em 2012, baseada nos princípios da “Guerra contra às Drogas”, a ação atual abre novas possibilidades e novas reflexões sobre o assunto.
A “Guerra contra as Drogas” (conceito criado para a definição do modelo de trabalho) surgiu para combater e erradicar as substâncias ilícitas da sociedade através da repressão e recriminação de seus usuários, aplicando políticas de exclusão e coerção no tratamento. A tal “guerra” foi um fracasso, tanto por afastar os usuários de drogas dos serviços de tratamento, quanto por marginalizar um problema social e de saúde pública. Além disso, contribuiu para a ampliação dos problemas provindos do tráfico de substâncias ilícitas. Mas, ainda assim, há quem acredite que esta é a melhor forma de intervir sobre o problema.



Durante muito tempo nossa cultura tem sido permeada por posturas repressoras, excludentes e de cunho moral. A exemplos disso, vemos os pais e mães que tentam, à sua maneira, evitar que os filhos usem drogas ou fazer com que parem de usar após os primeiros contatos com alguma substância. No cotidiano do serviço público e do consultório privado, ouve-se constantemente pais desesperados em busca de tratamentos via internação particular, muitas vezes, sem avaliação prévia de um profissional. Alguns ainda utilizam jargões famosos, como: “as drogas são a morte, a destruição”, “você vai acabar com sua vida”, “usando drogas você se tornará uma pessoa sem escrúpulos” ou “isso é coisa de vagabundo”. Mal sabem, porém, que um dia o filho poderá experimentar um “baseado” ou outra substância por mera curiosidade, influência dos amigos ou mesmo para desafiar as regras familiares e o prazer promovido pelo uso de psicotrópicos em contextos de festas, baladas ou diversão entre amigos não tem conexão com o mundo de “morte” e “destruição” descrito em sua “educação preventiva”. Passando a ocupar um lugar de mentirosos, perdem a chance de ter uma comunicação autêntica com seus filhos. 
Outra questão preocupante é o foco dado pelos pais às substâncias ilícitas em contraste à permissividade quanto ao uso do Álcool. Considerado a droga que mais mata no mundo, de acordo com dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), as bebidas alcoólicas são permitidas por muitos pais de adolescentes e alguns, inclusive, incentivam seu uso em contexto familiar. Em razão disso, o uso abusivo da substância tem crescido entre os jovens nos últimos três anos, de acordo com dados do IBGE (2013). Com o cérebro ainda em desenvolvimento exposto aos efeitos do álcool, se tornam maiores os riscos relacionados à instalação da dependência química (tanto do álcool quanto de outras drogas) ou outros comprometimentos psiquiátricos. Não existem níveis totalmente seguros para o uso do álcool (assim como para outras substâncias), que na verdade, só deve ser consumido por adultos. Deste forma, soa um tanto contraditório dizer: “meu filho não usa drogas, só bebe com os amigos”. 

Fica, então, a pergunta: como prevenir para que nossos filhos não tenham problemas relacionados ao uso de drogas?

Primeiro é preciso desmistificar o conceito de “droga”. Ela não é a destruição, morte ou desilusão em si mesma. A droga, por definição, é qualquer substância que altera o funcionamento Cerebral. Todos nós somos, já fomos ou seremos usuários de alguma droga. Tomamos bebidas energéticas (café, energéticos industrializados), bebidas alcoólicas ou medicamentos psiquiátricos. O comportamento de intoxicar-se, então, não é desviante (ou anormal), posto que a sensibilidade a substâncias que provocam esta alteração está na base biológica de todas as espécies, em especial, dos mamíferos (Zenatto, 2013). 
Para responder à pergunta, é preciso levar em consideração a forma como o indivíduo se relaciona com as drogas. Existem critérios para uso destas substâncias, que vão desde o uso casual ao uso crônico (Dependência Química). Alguém que teve um episódio de bebedeira ocasional (“Beber em Binge”), mesmo que tenha exagerado, não pode ser comparado a um alcoolista que perdeu o trabalho, a família e sua vida social por causa da bebida. A maioria das pessoas que experimentam drogas não se tornam dependentes químicos e boa parcela dos que se tornam estão expostos a outros fatores que influenciam a dependência, como tendência genética, problemas psiquiátricos (emocionais, cognitivos ou emocionais) ou sociais (ambiente familiar favorável ao uso, amigos, disponibilidade para substância ou outros). 

“Políticas repressoras tem como único
efeito afastar o usuário de drogas dos 
recursos que podem ajudá-lo.”

É preciso levar em consideração também o tipo de substância usada. Ao contrário do que diz o imaginário social, cada droga tem seu tipo de efeito sobre o cérebro e, consequentemente, produzem consequências diferentes. Não podemos colocar um adolescente dependente de maconha “no mesmo saco” de um usuário de crack que rouba, rompe suas atividades profissionais e vínculos familiares ou que passa dias seguidos usando a droga. 
Partindo deste ponto de vista, a melhor forma de prevenir é diminuir os fatores de risco psicológicos e sociais, além de aumentar os chamados “fatores de proteção”. Adolescentes cujos vínculos familiares são frágeis, que vivem em um ambiente desorganizado e conflituoso, com familiares que usam drogas ou que tenham atitudes favoráveis ao uso, ausência de monitoramento, expectativas irrealistas sobre seu futuro são mais propensos a desenvolver problemas com drogas. Fracasso acadêmico e baixo nível de escolaridade, baixa autoestima, senso de desesperança também são fatores que aumentam as chances da pessoa fazer uso abusivo de alguma substância.

Viver em um ambiente familiar que estimule o acolhimento, a harmonia entre os membros, formação de vínculos seguros e fortes e com valores bem definidos, por outro lado, significa estar exposto a fatores de proteção importantes. O Monitoramento das atividades acadêmicas, reconhecimento dos sucessos da criança ou adolescente na escola ao invés de punição dos insucessos e estímulo ao envolvimento com artes e esportes dentro e fora da escola são atitudes que contribuem para o jovem desenvolver fontes de prazer que não condizem com o uso de substâncias.

No que diz respeito à prevenção do sofrimento psicológico – que, como dito, aumenta as chances do envolvimento com drogas –, é importante dar suporte emocional, procurar entender e dar voz aos sentimentos dos filhos e dar amor aliado a boas doses de limite. Em casos nos quais o sofrimento psicológico existe, a busca por ajuda profissional é indispensável na prevenção de problemas futuros.   

“Sofrimento Psicológico aumenta as chances
de envolvimento com drogas.”

Nossa sociedade vive a “fantasia do controle”. Acredita-se que é preciso controlar tudo e todos, “curar” todos os problemas e criar soluções mágicas para as dificuldades humanas. Esquecemos que quando se trata de um ser humano, intervenções baseadas em “causalidades exatas” na maioria das vezes são falhas. Uma das coisas que nos torna humanos é a imprevisibilidade. Não é possível garantir, por exemplo, que todas as crianças e adolescentes expostos aos fatores de proteção acima descritos ficarão isentos da possibilidade de desenvolver problemas com drogas, e vice-versa. Somos expostos a infinitas fontes de influência que sequer conseguimos perceber e, mexendo naquilo que percebemos, só faz com que (talvez) sejam alteradas algumas probabilidades. Temos, então, duas alternativas: diminuir fatores que aumentam a probabilidade para o problema e aumentar fatores que o diminuam e proporcionem saúde e bem estar aos filhos, ou travar uma “mini-guerra” contra as drogas no contexto familiar, cujos verdadeiros resultados já foram descritos no início deste texto. Qual caminho você vai escolher? 
Referências
O tratamento da dependência química e as terapias cognitivo-comportamentais: Um guia para terapeutas/ Organizadores, Neide A. Zenelatto, Ronaldo Laranjeira – Porto Alegre: Artmed, 2013.
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