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Drogas: problema de saúde ou de polícia?

Esequias Caetano – CRP 04/35023
ecaetano@institutocrescer.com

A quantidade crescente de notícias e matérias sobre o tema “drogas” nos jornais de Patos de Minas é um indicativo de que o uso de substâncias psicoativas está cada vez mais em evidência em nossa cidade. A grande questão é: a quem isso interessa?

Muitos diriam que à polícia. Mas será?

O Psicólogo Lucas de Paula, sócio do Instituto Crescer, abordou o tema no artigo Prevenção ao Abuso de Drogas: o que os pais podem fazer?, publicado em nosso site. No texto, falou sobre a “guerra contra as drogas” promovida pelo governo de São Paulo em 2012, na qual cerca de 288 policiais militares percorriam as ruas da capital paulista diariamente na tentativa de dispersar os usuários e impedir o uso de substâncias ilícitas nos locais costumeiros. A ação partiu da premissa de que através da repressão, seria possível reduzir a quantidade de usuários na cidade. Na prática, porém, os efeitos foram outros.
De acordo com um relatório do Ministério Público do estado de São Paulo, a ação foi um fracasso. Ela resultou na apreensão de apenas 9% da quantidade de cocaína apreendida no mesmo período do ano anterior e 8,5% da quantidade de maconha. O sócio do Instituto Crescer explica em seu artigo que iniciativas como esta, baseadas na repressão e no uso da força, tem como único efeito dificultar o acesso aos usuários de droga e, por consequência, a adoção de qualquer medida efetiva de enfrentamento do problema. Frente à ação punitiva, o usuário da droga não deixará de ter acesso à substância e, muito menos, de sentir necessidade de usá-la. Ele apenas passará a evitar o contato com situações ou pessoas que possam denunciá-lo ou repreende-lo de alguma forma. Em outras palavras, continuará usando a droga – mas escondido.

Importante frisar, aliás, que não há qualquer base legal para a punição ou repreensão deste público. De acordo com o advogado Ernani Spagnoulo, a legislação brasileira não define como crime a escolha que o individuo faz de usar qualquer tipo de substancia que afete o funcionamento de seu organismo. Ele não pode ser penalizado por fumar, beber, cheirar ou injetar alguma droga, mas caso seja “pego usando” será, ao invés disso, submetido a “medidas socioeducativas que visam a reintegração do usuário à sociedade”. Estas medidas são: 1) Advertência sobre os efeitos do uso da droga sobre o organismo; 2) Prestação de serviços à comunidade; 3) medida socioeducativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Sobre os efeitos destas medidas, Ernani é enfático. “Apesar de extremamente alardeadas pelo governo em diversas mídias, efetivamente os programas destinados à reabilitação de usuários (…) são uma piada, haja vista que em nada acrescentam à população que deles necessitam”.

De acordo com Spagnoulo, lei de drogas brasileira, em seu artigo 28, define como crime apenas:
Adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
Não basta, porém, que o indivíduo que cometer qualquer um dos atos acima listados seja denunciado para que seja aplicada alguma sanção. Em entrevista concedida ao Instituto Crescer, o cabo Rosa Helena Maria Silva Araújo, da Assessoria de Comunicação Polícia Militar, explica que é necessário que haja um flagrante. De acordo com a policial, quando a PM recebe uma denúncia as viaturas são imediatamente deslocadas para o local, mas caso os agentes não encontrem a droga ou outro objeto que comprove a ocorrência do crime, nada pode ser feito.

Diante da ineficiência e da limitação de um modelo de intervenção repressor, resta olhar para o outro lado: aquele apontado pelos estudos na área da Dependência Química, qual seja, a Saúde Pública e o Desenvolvimento Social.

André Bravin, mestre e doutorando em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília (UnB), professor da Universidade Federal de Goiás e pesquisador na área de Dependência Química, falou ao Instituto Crescer sobre as condições sociais associadas ao uso de drogas e ao impacto da prática na saúde do indivíduo. Ele explica que, antes de tudo, é preciso ter clareza de que o uso de drogas é um fenômeno diretamente influenciado pela exposição a condições precárias de desenvolvimento. Fatores como a ausência de oportunidades de lazer, diversão, lares harmoniosos e escolas gratificantes, aumentam significativamente o risco do jovem passar a usar drogas. “A probabilidade de escolha por ela [a droga] diminui à medida que outras coisas tão boas ou melhores que a própria droga existirem (…). Obviamente [a probabilidade de uso] não iria à zero, haja vista que as drogas fazem parte das rotinas sociais, mas certamente haveria uma diminuição”, afirma.

Neste sentido, é importante destacar que muitas destas condições não estão associadas à pobreza. “Adolescentes cujos vínculos familiares são frágeis, que vivem em um ambiente desorganizado e conflituoso, com familiares que usam drogas ou que tenham atitudes favoráveis ao uso, ausência de monitoramento ou expectativas irrealistas sobre seu futuro” enquadram-se no que Bravin chama de lares não harmoniosos e estão expostos a fatores que predispõe ao uso, conforme explica Lucas de Paula. Esse tipo de situação existe em todas as classes sociais – da mais rica a mais pobre.

Bravin destaca ainda que a disponibilidade da droga é um dos principais fatores que aumentam a incidência de uso. De acordo com o professor, o álcool e o cigarro são as drogas mais usadas no Brasil, justamente por serem legalizadas e de mais fácil acesso. Enquanto 74,6% dos brasileiros ingerem bebida alcoólica e 44% são tabagistas, apenas 8,8% fazem uso da maconha, explica.

No que diz respeito à saúde, o psicólogo alerta ainda para os sérios riscos associados à ideia de que as drogas não causam danos ao organismo ou que elas possuem efeitos terapêuticos. Elas causam danos sim e, em alguns casos, podem ser irreversíveis. A título de exemplo, cita a maconha – a droga não legalizada mais usada no país. Na saúde geral pode causar danos como: problemas respiratórios diversos gerados pelo alcatrão (que na maconha aparece em concentração superior à encontrada no cigarro), aumento da propensão a cânceres e impotência sexual. Na saúde mental, pode causar prejuízos na memória de curto prazo, na atenção e na coordenação motora. Cerca de 20% dos usuários experimentam também, em algum momento da vida, um transtorno psicótico breve ou tem quadros de esquizofrenia preexistentes (evidentes ou não) agravados.

No que diz respeito aos supostos efeitos terapêuticos, Bravin é ainda mais enfático. “Dizer isso é tão ingênuo quanto indicar o cigarro para relaxamento muscular ou cerveja para efeito ansiolítico. Tem efeito ansiolítico sim. Mas faz sentido estas prescrições? Não. Existem relaxantes musculares e ansiolíticos [já testados e que não causam tantos danos]. Se ela [a droga] tem propriedades terapêuticas, ótimo! Vamos estuda-las, tentar isolar o princípio ativo e testá-lo”.

De acordo com o doutorando em Ciências do Comportamento, já existem estudos neste sentido, mas ainda não há nada conclusivo. Enquanto isso, os órgãos de saúde recomendam buscar alternativas mais seguras, cujo risco de danos à saúde e dependência são menores.

Quando passamos a olhar para o droga como um problema social ou de saúde pública, porém, nos deparamos com outras dificuldades. De acordo com a presidente do Conselho Tutelar de Patos de Minas, Stella Braga, os casos de jovens usando drogas identificados pelo sistema público são encaminhados ao CRAS, CREAS, Associação Vem-Ser e Promotoria de Justiça, esta última, responsável por solicitar internação. Como em Patos de Minas não existem clínicas que atendam a este público, as crianças e adolescentes que precisam do serviço são encaminhadas às clínicas de outras cidades na região, como Presidente Olegário.

Lucas de Paula afirma que a internação ainda não é a melhor alternativa para abordar o problema. Ele explica que o campo de intervenção mais promissor é a prevenção, baseada na redução dos fatores de risco como os citados por André Bravin e na ampliação dos fatores de proteção para o uso de drogas. O sócio do Instituto Crescer acrescenta em seu artigo que viver em um ambiente familiar que estimule o acolhimento, harmonia entre os membros, formação de vínculos seguros e fortes, com valores bem definidos, monitorar atividades acadêmicas, reconhecer os sucessos do filho em suas conquistas e estimular o envolvimento com artes e esportes são fatores que reduzem as chances do envolvimento com drogas. Tais medidas não tem o poder de eliminar completamente o risco do filho utilizar algum substância, mas podem reduzi-lo.

Bravin alega que o olhar atual está muito voltado à questão criminal da droga e relativamente pouca coisa tem sido feita no sentido de trata-la como um problema de saúde. O entrevistado explica que esta perspectiva é recente, mas o governo já tem direcionado verbas da saúde para atender à demanda. Há ainda a necessidade de as famílias abandonarem a perspectiva da repressão, cujas consequências já são amplamente conhecidas e reconhecidamente desastrosas, e adotarem uma postura de redução dos fatores de risco para o uso de substâncias, completa Lucas de Paula, proporcionando saúde e bem estar a seus membros. É às famílias que o assunto interessa.

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Quero parabenizá-los pela matéria. Fantástico. Acredito que precisamos de muita informação a respeito.
Acredito também que a sociedade pode se mobilizar e formar grupos de apoios e educacionais – voluntários.
Faço sempre palestras nas escolas e entidades governamentais sobre sexualidade na adolescência e acho que grupos poderiam ser formados e capacitados para levar informações aos jovens. Quem sabe até mesmo montar um documentário com finalidade de informação?
Não precisamos cruzar os braços e esperar tudo do nosso governos, podemos nos unir e dar exemplo de cidadania ao governo. Quem sabe com bons exemplos algum dia o governo não comece a assumir responsabilidades sensatas e reais?
Parabéns mais uma vez e, se surgir a ideia de capacitação, contem comigo como aluna.

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