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“Amo demais”

Diego Fernandes Souza
contato@diegofsouza.com 

“O problema é que eu amo demais!“, afirma Mariana*. “Eu não consigo me imaginar sem ele e tenho medo que qualquer coisa possa nos separar! Ai de alguma daquelas vagabundas que ele conhece tentar alguma coisa…“.

“Ela é tudo o que eu tenho na minha vida!“, afirma Carlos*. “Eu não sei o que faria se alguém ousasse tentar nos separar! Não sei do que eu sou capaz quando penso na possibilidade de perde-la!“.As falas acima foram criadas para ilustrar algo que, em nossa cultura, é visto como sendo “amor em excesso“. Apesar de terem sido criadas por mim, é comum conhecermos pessoas que falam as mesmas coisas com outras palavras.
O grande problema, na maioria das vezes, é como isto tem sido relatado pela pessoa que passa por esta situação e também em como nossa cultura rotula estas atitudes e sentimentos.
Meu objetivo com este texto é deixar bem claro que a forma como rotulamos esta situação pode favorecer ou impedir a busca por ajuda no tempo necessário, antes que problemas maiores ocorram.

O que é amor?

“Se perguntar o que é amor pra mim
Não sei responder
Não sei explicar”

O amor é um sentimento difícil de definir, correto? Vou explicar o amor através de uma perspectiva que não encerra as outras definições possíveis. Basicamente temos 3 pontos essenciais (darei maior atenção ao 3º).

1. Nossa espécie nasce com a capacidade de amar. A espécie humana é capaz de se apegar a outras pessoas, animais e objetos, criando esta ligação e cuidado com o “alvo” do amor. Isto é a base de onde precisamos partir: nascemos com a capacidade para amar. Todos nós temos hormônios, estruturas cerebrais e tantas coisas mais que estão envolvidas no amor.

2. Nossa vida se encarregará de definir o que é amar, o que podemos fazer quando amamos, como tratamos uma pessoa quando amamos. Aprendemos muito sobre como amar em nossa primeira infância, mas não somente nela. Estamosaprendendo durante toda a vida, sendo assim é normal que acabemos por mudarnossa concepção do que é amor e do que fazemos quando amamos conforme temos relacionamentos diferentes, conversamos com amigos e outras pessoas sobre o que é amar e, afinal de contas, amando.

3. A forma como a nossa cultura descreve o que é amor interfere na forma que avaliamos a nossa forma de amar. É comum escutarmos frases como “se não tem ciúme é porque não ama” ou “Isso é amor demais!”. Diante do que nossa cultura considera normal avaliamos se estamos dentro ou fora da “normalidade” e se precisamos ou não fazer algo a respeito. Temos, nos programas televisivos, uma excelente chance de analisarmos o que é considerado normal ou não e darei atenção a um programa específico: “Eu que amo tanto“.

“Eu que amo tanto”

Lá estava eu, domingo passado (16/11/2014), curtindo o fim do final de semana e começou a passar um episódio desta série que está sendo exibida no Fantástico. A personagem de Susana Vieira se apaixona por um homem mais novo, algum tempo depois de passar pela morte do seu marido.
Este novo amor vai se desenrolando e a personagem ficando cada vez mais obsessiva, brigando,terminando o relacionamento, atacando as novas parceiras de seu ex-companheiro até chegar ao ápice do episódio: ela assassina o ex-companheiro.

Ao fim, presa, sem maquiagem e demonstrando estar totalmente acabada, ela dá o seu depoimento:
“Eu matei, eu matei mesmo. Eu matei porque eu amava demais esse homem. Eu só queria que ele me amasse. Eu só queria que ele voltasse pra mim. Será que isso é pedir demais? Será? Se ele não fosse meu ele não seria de mais ninguém. De mais ninguém!”

Entra a música com Milton Nascimento cantando “O que será que me dá, que me bole por dentro, será que me dá?”.
Fim do episódio. Nada mais é falado pelos apresentadores. Nem o rapaz que diz “Este medicamento é contraindicado no caso de suspeita de dengue” aparece para fazer um alerta sobre o que as pessoas acabaram de ver. Um direcionamento. Nada.

O seriado acabou trazendo alguns pontos que merecem atenção


Pontos Positivos
: Traz a tona um assunto que costuma ser deixado de lado, que são pessoas que cometem loucuras em seus relacionamentos, tamanha a dependência que desenvolvem do outro.

Pontos Negativos: Não sei se é algo que apenas eu senti, mas o episódio parece considerar a situação exibida até normal. De certa forma considera como “loucuras de amor”. Além disso, iguala uma situação de “total dependência” ao “sentimento de amar”.

Ponto Extremamente Negativo: A motivação do assassinato é relacionada ao “amor demais” e fica por isso mesmo. Nada mais é abordado, nenhum direcionamento de tratamento para as pessoas que passam por isso.

Existe uma enorme diferença entre uma “relação de dependência” e uma “relação de amor” e tais diferenças precisam sempre ficar claras. Não é porque temos algumas características em comum que podemos considerar as duas situações como sendo amor.
Relações de amor servem para que as pessoas envolvidas sintam-se bem e complementem os demais “setores” da vida da pessoa. Relações de dependência costumam servir para ocupar o espaço deficitário dos outros setores da vida da pessoa.
Em relações de amor prezamos pelo respeito e bem-estar da outra pessoa. Em relações de dependência notamos que a pessoa preza pela permanência da outra ao seu lado, custe o que custar.
Em relações de amor sentimentos como ciúme e insegurança podem surgir, mas costumam ser resolvidos através do diálogo. Em relações de dependência estes mesmos sentimentos tendem a incomodar tanto que o diálogo parece ser impossível, podendo se transformar em transtorno de forma muito rápida.

Sugestão

Dado o investimento que a Globo fez para produzir esta série, seria interessante que o assunto não ficasse tão solto. Alguns comentários poderiam ser feitos para deixar claro que as situações em questão não representam “amor demais”.

Afinal, qual seria a solução para o “amor demais”? Será que o problema está no sentimento em si ou em alguns comportamentos extremados que a pessoa exibe e que não retratam o amor de forma alguma? Retratar estes casos como problemas a serem resolvidos seria diferente. Problemas comportamentais/psicológicos, como dependência afetiva, insegurança exacerbada e etc. podem ser modificados.

Com o tratamento adequado a personagem de Susana Vieira talvez pudesse, maquiada e toda revigorada, dar o seguinte depoimento:

“Eu matei, eu matei mesmo. Matei aquele sentimento de dependência que existia dentro de mim. Entendi que as pessoas não são objetos e que elas não pertencem a outra pessoa. Naquele exato momento em que eu percebi que estava sofrendo demais, resolvi procurar ajuda e consegui modificar a situação em que eu estava. Ele? Sabe que eu não sei o que ele está fazendo da vida? Mas a minha eu sei que vai muito bem.”

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"Relações de amor servem para que as pessoas envolvidas sintam-se bem e complementem os demais “setores” da vida da pessoa. Relações de dependência costumam servir para ocupar o espaço deficitário dos outros setores da vida da pessoa.
Em relações de amor prezamos pelo respeito e bem-estar da outra pessoa. Em relações de dependência notamos que a pessoa preza pela permanência da outra ao seu lado, custe o que custar."

Muito boa a matéria Esequias! Lembrando que a série do Fantástico é inspirada no livro de Marília Gabriela, "Eu que amo tanto".
Vi todos os episódios e pretendo ler o livro também. 🙂

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