Quando a tristeza se torna um problema?
Esequias Caetano – CRP 04/35023
Terapeuta de Adultos – Individual e Casais
Começo o texto com uma pergunta: quem nunca se sentiu triste alguma vez na vida?
Acredito que ninguém. A tristeza é um sentimento humano associado, principalmente, a situações de perda, como quando deixamos passar uma oportunidade, perdemos um evento importante, estragamos um objeto de valor ou nos afastamos de alguém de quem gostamos – apenas para citar alguns exemplos.
Situações de perda fazem parte de nosso cotidiano. Repetem-se diariamente, e junto com elas, a tristeza aparece em maior ou menor grau, dependendo da importância dessa perda. Se perdermos algo de pouco valor é provável que a tristeza seja pouco intensa. Se a perda for maior, a tristeza também será maior. Pense, por exemplo, em quando você não pôde comer sua comida preferida porque estava sem dinheiro na ocasião. Deve ter se sentido um pouco triste, mas não tanto quanto se sentiria ao perder o emprego em um momento de sufoco.
Há quem defenda que não se pode sentir a tristeza. E há quem faça de tudo para evitá-la. Gasta o que tem e o que não têm em festas, viagens e compras para fugir dela. Usa drogas, abre mão de projetos (para não correr o risco de fracassar) ou se sacrifica para agradar os outros (para não perdê-los). E, por incrível que pareça, ainda assim a tristeza insiste em aparecer para estas pessoas, uma hora ou outra.
Não adianta tentar esconder. A tristeza é um sentimento humano. É preciso sentir.
Há quem tente escondê-la. Por pior que esteja se sentindo, não fala dela com ninguém. Finge sorrisos. Dramatiza alegria. E, assim, acaba mesmo convencendo os outros de que não sente tristeza. Quem não conhece alguém que parece ser capaz enfrentar situações muito mais difíceis que “as minhas” sem se abalar? Recebo várias destas pessoas no consultório. Os amigos, familiares e colegas geralmente tem certeza de que elas não se abalam com nada, por mais que se sintam destruídas por dentro, por mais que sejam humanas, tão humanas quanto se pode imaginar.
“Esse é o problema da dor. Ela precisa ser sentida” (John Green, 2012)
Mas se a tristeza é tão normal e humana, quando, afinal, ela se torna um problema?
Pergunta difícil de ser respondida, mas extremamente importante. É preciso atenção diante dos sinais a seguir.
Na Psicologia entendemos que a tristeza, por si só, não é um problema. Ela é desagradável. Isso é fato. Mas não é um problema e não é motivo de preocupação. Ela é um sentimento inevitável diante de algumas situações da vida. Os problemas começam a surgir quando a tristeza:
1. É duradoura e constante.
Por mais intensa que seja a tristeza, ela irá passar ou pelo menos diminuir de forma razoável em até duas ou três semanas. Quando isso não ocorre*, ou pior, quando a tristeza fica mais forte com o tempo, temos um sinal claro de que as coisas não vão bem. O agravamento da situação, por si só, é um problema que merece cuidados profissionais antes que seja muito tarde para isso.
2. É acompanhada de pensamentos autodepreciativos
Já ouviu a expressão “não adianta chorar sobre o leite derramado”? Ela é bastante comum em nossa cultura. Mas não é bem assim que as coisas funcionam. É absolutamente normal ruminar uma perda. A ruminação, se não for constante e contínua, faz parte do que se entende por tristeza. Muitos conseguem crescer a partir dela ao se questionarem o que poderia ter sido feito diferente, que erros foram cometidos, o que faltou ou o que sobrou. Se, no entanto, estes questionamentos dão lugar a pensamentos como “eu sou um lixo”, “sou um fracassado”, “não mereço ser feliz”, “só faço mal às pessoas” ou quaisquer outros em que o indivíduo agride, desqualifica ou desvaloriza a si próprio, temos outro sinal de que há motivos para se preocupar e buscar ajuda.
3. É acompanhada de uma redução significativa na capacidade de experimentar prazer
É absolutamente normal a pessoa triste ver pouco sentido nas coisas por algum tempo. Porém, a condição é passageira e não se estende à maior parte das atividades que outrora eram fontes de prazer. Quando o indivíduo já não vê prazer em quase nada, quando ele começa a perceber a própria vida como algo sem sentido, a situação é grave.
4. É acompanhada de fadiga e cansaço extremos diante de esforços pequenos
Qualquer pessoa se sentirá cansada diante de algum esforço. O quanto cada um irá se cansar pode variar de acordo com uma quantidade incontável de fatores, porém, há certa regularidade na quantidade de esforço que cada pessoa suporta. Quando uma pessoa começa a se cansar muito mais facilmente que antes ou a sentir fadiga em atividades que antes não lhe provocavam, temos mais uma evidência de que ela pode não estar bem. A pergunta a se fazer, neste caso, é: o que mudou em relação à “minha”/”sua” motivação para a ação?
5. É acompanhada de pensamentos suicidas
Uma pessoa apenas triste, mas com a saúde emocional em ordem, não pensará em se suicidar ou em desaparecer do mundo. Se esse tipo de pensamento ocorrer, busque um profissional com urgência. Os pensamentos suicidas costumam ocorrer quando a situação já está praticamente insustentável. Esperar mais um pouco pode ser tarde demais, especialmente se já houve uma tentativa de suicídio no passado ou se algum familiar já se suicidou.
Quando qualquer um dos critérios mencionados acompanha a tristeza, devemos suspeitar da existência de um quadro de Depressão leve. Se três deles a acompanham, as suspeitas são de Depressão Moderada. Se a maior parte estiver presente de forma intensa, é possível que a pessoa atenda aos critérios de diagnóstico para Depressão Grave. Outros sinais que podem acompanhar a tristeza em caso de Depressão são: (6) dificuldades para dormir ou sono excessivo; (7) aumento ou perda significativa de apetite; (8) dificuldades de concentração e (9) lentidão na fala e movimentação.
Ao contrário da tristeza, que é uma emoção cotidiana, a Depressão é um problema. E um problema grave! Sabe-se atualmente, por exemplo, que ela está associada a seis de cada 10 suicídios cometidos no mundo. Isso significa que a quantidade de Depressivos que se suicidam é superior à soma de todos os outros suicidas do mundo! O que acha disso?
Outro dado relevante sobre a Depressão é que ela é considerada a segunda maior causa incapacitação do planeta. Perde apenas para problemas ortopédicos (coluna, por exemplo). Dá para não levar a sério algo que mata mais que qualquer outra coisa e incapacita mais pessoas que a maioria dos outros problemas de saúde?
Não. Não dá para não levar a sério. Até porque a Depressão é tratável e é perfeitamente possível o indivíduo voltar a levar uma vida saudável. Luciana Cardoso (2011), Mestre em Psicologia e Psicóloga do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), analisou uma série de estudos que avaliavam os resultados de diversas formas de tratamento para Depressão, verificando os efeitos de cada uma delas em relação à melhora do quadro e a quantidade de recaídas após o final do tratamento. Seus resultados indicaram que a grande maioria dos clientes submetidos ao que a literatura especializada chama de Ativação Comportamental deixaram de apresentar comportamentos, sentimentos e pensamentos característicos da Depressão e não tiveram recaídas após o término do terapia, de forma que puderam voltar a ter uma vida saudável com seus a família e amigos.
A Ativação Comportamental é uma modalidade de tratamento derivada dos princípios da Terapia Analítico-Comportamental. Ela busca ajudar o indivíduo a conhecer as causas de seus comportamentos e a desenvolver recursos para que ele próprio torne-se capaz de superar suas dificuldades, desenvolvendo, assim, autoconhecimento e autonomia – condições consideradas essenciais para que possa evitar recaídas no futuro.
Quando a Depressão não é adequadamente tratada ela até pode desaparecer com o tempo. Porém, as chances de um segundo episódio são de 60%. Se ainda assim não for adequadamente tratada, as chances de um terceiro episódio ocorrer são 70% maiores e episódios subsequentes são 90% mais prováveis, o que faria dela praticamente uma condição crônica bastante perigosa.
Se você está apenas triste, deixe passar. As coisas certamente irão melhorar em algum tempo. Mas se sua tristeza é acompanhada pelos sinais descritos no texto não deixe de procurar ajuda. Entre em contato com um Psicólogo assim que puder. Clique aqui e escolha um profissional para te ajudar.
NOTA DE RODAPÉ
* – Algumas situações, como a perda de um ente querido, podem fazer com que a tristeza seja mais duradoura do que normalmente é. Ainda assim, porém, ela deve diminuir gradativamente à medida em que o tempo passa.
MATERIAL CONSULTADO E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Almeida Neto, E. C. e Cols. (Org). (2015). Depressão: Psicopatologia e Terapia Analítico Comportamental. Curitiba: Paraná.
Augustus Waters GREEN, J. A (2012). Culpa é das Estrelas. Rio de Janeiro: Intrínseca.
Cardoso, L. R. D. (2011, Dezembro). Psicoterapias Comportamentais no Tratamento da Depressão. Revista Psicologia Argumento, v. 29, n. 67, p-479 a 489. Recuperado de: http://www2.pucpr.br/reol/index.php/pa?dd1=5793&dd99=view
Cunha, L. S. e Borloti, E. B. (2009). O Efeito de Contingências de Reforçamento Programadas sobre o relato de eventos privados. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 11, n. 2, p-209 a 230. Recuperado de: http://www.usp.br/rbtcc/index.php/RBTCC/article/viewFile/399/293
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Um Comentário Esconder comentário
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Texto perfeito!
Parabéns!